sábado, 8 de março de 2014

o corpo do amor


Tangerine,

Não diga isso que beber sozinha é o fim da  linha, minha irmã. Saiba que a maioria destas cartas foram escritas nesse contexto, que se mostrou, na verdade, o início da linhas.

Saúde!

E vamos em frente (enfrente) com a guia de Iansã.

Olha só o que acabei de perceber: eu, que agora só quero saber das expressões corporais, cultivo amores ausentes. Amores profundos e verdadeiros mas que só tem ao próprio amor para se sustentar. Sem presença, sem rotina e  também sem angústia. Uma ausência boa, que dura. E se dura é porque há de durar o tempo que for necessário. Porque  ela, a ausência, também háde acabar. 

Não é de agora que acredito no amor como uma energia múltipla, construída e compartilhada, feita para se condensar, explodir, dissipar e se rearranjar. Assim como tudo na vida. Enquanto concentro minha presença no meu próprio corpo, percebo que o amor vem tomando a forma poética dos navios que ainda não voltaram; na espera longínqua que não está mais em ver se o telefone vai tocar a cada minuto; na certeza do encontro além do físico. 

O tempo e o corpo do amor podem ter dessas coisas, não? Ou talvez eu esteja só envelhecendo. 

Saúde! 

O ano novo virou, ainda não nos vimos, mas você sabe que é um desses grandes amores, não sabe?

Sua Celine

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

o que importa é que dá pano pra manga o meu amor com o teu

Celine,

Estou numa pousada no meio da Bahia, entre coqueiros de escuro verde. Hoje é 4 de dezembro, dia de Iansã. E você sabe como isso quer dizer que também hoje é o meu dia. Comprei uma garrafa de vinho no mercadinho próximo. E bebo só enquanto escrevo.

Sempre achei que beber sozinha fosse o fim da linha. Mas hoje meu coração tem tanta ternura - pela Bahia, pelo mar, pelos coqueiros serenos - que eu nem me importo.

Vou brindar a Iansã e seus ventos. Que eles abram os caminhos e espalhem o amor! Que seu desejo seja ouvido, minha amiga, e que nós possamos exercitar esta arte em suas mais variadas formas e configurações.

Hoje, se eu pudesse fazer um desejo, seria passar a virada do ano com você. Mas daqui fico sossegada, porque sei que estamos sempre juntas.

Nos turbilhões e nas branduras.

No exercício árduo de só ser.

Te amo,

Tangerine

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Para discordar de Chico Buarque


Meu amor

Esta carta é assim um lembrete daquilo que foi embora. 
E um atestado do que fica com a gente.

Tem uma música do Chico que diz: “Para onde vai o amor quando o amor acaba?”
Infelizmente, tenho que discordar do muso. O amor não acaba. 

Amor é verbo, não é coisa que se desgasta e seca. Amor não é substantivo, muito menos substantivo próprio. Amor não é nome, é exercício. É por isso que termina com R. E esse exercício começa aqui, dentro da gente, sozinho e calmo. 

Tem algum tempo que penso nisso e sempre faz mais sentido, pra mim, ao menos. O meu amor é meu, não é uma pessoa, uma coisa. É algo que deve ser alimentado, construído para, então ser dividido. E existem milhares de formas de se dividir amor. Com uma pessoa é apenas uma das formas. Uma ótima forma, não nego, mas não é a única. E quanto mais você divide o amor, exercita o amor, testa o amor, mais ele cresce aí, dentro de você. E a biopolítica dos novos tempos românticas, beibe. Exercício de possibilidades e de potência. 
Mas nem sempre o amor sai, as vezes ele hiberna ou fica mais delicado, mais sutil. Outras vezes ele grita, chuta, vibra e rasga. Dos dois jeitos ele está lá, amor, seu. Não acaba, só muda e evolui. Como tudo na vida, não é mesmo? É nesse expandir e contrair que o universo cresce, e o amor também. 

E essa carta também vem com um pedido para você nunca duvidar da sua grande capacidade de amar. Inesgotável e perene, vontade que só existe para que a gente seja assim, mais gente, mais humano, mais poesia, mais rio.

E deixa essa correnteza levar tudo que for para ser levado. 
O que é rocha, permanece.

Com amor infinito,

Celine, 

quarta-feira, 3 de abril de 2013

nunca para sempre


Irmã,


Gostaria de lhe dizer que o galho de margarida que pegamos na noite a Iemanjá, Francisca e Baco enraizou, aqui, no meio da sala. Agora está no jardim, vertendo verde e vida de onde parecia improvável. E agora é esperar as fulores florescerem.


(e penso que quando há amor, até um rompimento brusco como quebrar um ramo de flores pode ser bom para multiplicar a vida)


No mais, ando assim agitada. Uma ebulição de que parece que algo está por vir. Uma vontade de dançar. Há muito o que fazer. Façamos, comadre. Façamos.


Hoje, quando voltava do trabalho, vi um homem caído na calçada. Ele tinha os olhos abertos mas não reagia aos muitos passos de estudantes que passavam. Estes sim, olhavam e seguiam. Inclusive eu, que fiquei com medo de ajudar. A que ponto chegamos? 

Feliciano e cia, sinal de guerra nas Coréias, Eike Batista ainda é notícia e eu tenho vontade de gritar.


Mas ainda fico assim, ebulindo. (no bubu bulindo).


Vamos então em busca da beleza, da poesia e da criação, porque essa tal realidade está chata demais.

Amor,

domingo, 10 de março de 2013

nunca é tarde, nunca é demais

Celine,

Você não imagina como me fez bem chegar em casa e achar esse papelzinho com a sua letra debaixo da minha porta. Às vezes me pergunto como você faz para estar sempre perto - esse seu acerto com passarinhos ou pombos-correio, deve ser isso. Porque mesmo quando você não escreve, quando está quietinha exercitando a observação crítica, eu sei que as respostas estão aí. Talvez novas dúvidas. Por isso eu te amo.

Agora mesmo estou ouvindo Chico e Caetano na minha nova velha vitrola de madeira. Essa nostalgia que sempre foi minha e você me ensinou. Eles cantam Bárbara e eu me lembro de você. Fico aí imaginando o que você faz agora, nessa tarde de domingo que já caminha para ir embora. Uma tarde de domingo a menos.

Quantas tardes de domingo será que a gente tem ao longo da vida?

Você deve estar ouvindo um samba, tomando uma cervejinha, entre sorrisos e experimentos poéticos. Mas só a gente sabe o quanto de triste há por trás disso tudo. A poesia tem um quê de triste, a mover, no fundo. O samba também. O amor também. Por isso essas coisas nos definem tanto, e a gente vai se perdendo entre o que há de alegre e o que há de olhos de chuva.

O que importa é a coragem de mergulhar nessas águas todas. Turvas. Turvas. Turvas. Turvas.

O que importa é acordar de sonos antigos. Para novos sonhos.

Você desperta e eu fecho os olhos. Preciso desse sono para ver se percebo de fato qual é o meu rosto, qual a pitada de tristeza e qual a pitada de alegria nessa dança de opostos,yin, yang, essas coisas todas que os antigos descobriram e que a gente sabe mas que é tão límpido e reluzente que eu não consigo olhar.

Certezas eu não tenho. Mas tenho querença. Obrigada, minha amiga doce, por essa palavra. Querença, sim, de ser cada vez mais o que eu sou, sem artifícios. Mesmo que doa. Com o mal, os medos e as chuvas.

Nunca é tarde, nunca é demais.

Todo o meu amor,

Tangerine


sexta-feira, 1 de março de 2013

re volta


Tangerine,


Passei por tempos distantes, mas enfim retornei.
Para o mesmo lugar. Mas penso que volto diferente.

(é difícil voltar a escrever. Entre leituras filosóficas em busca do tempo perdido, acabei por desenvolver mais a observação crítica do que a prática. Mas vamos lá.)

A certeza da dúvida pode ser mais reconfortante que se parece.

Já que tudo é movimento e recriação, o melhor a se fazer é continuar. Nunca parar. Principalmente de querer, de pensar, de mudar.

Para se aproveitar o mar, não se deve parar no mesmo lugar.

Acho que ganhei presença. Ou querença.

E o tempo continua sendo água, rio, imensidão.

(um bom momento para ouvir Drão)

É como se eu tivesse acabado de despertar de um sono longo. Ainda é difícil lançar-me a grandes elaborações, só alguns chistes aqui e ali. Mas, por melhor que seja o sonho, é sempre boa a sensação de despertar. Para a vida. Para não parar.

Em frente. Enfrente.

Já volto, amor.

Celine


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

lusco-fusco

Celine,

Já pensou como seria se as coisas simplesmente mudassem de rumo? Se tivessem esse poder? Eu não quero pensar. Porque seria como entrar num infinito de possibilidades. Como num carnaval de felicidade eterna, se ousássemos mostrar nosso verdadeiro rosto, além da máscara.

Eu não sei qual seria meu rosto. Você sabe? Eu tenho medo, minha amiga, e digo isso entre um cigarro e as lembranças do Velho com o Cachorro. Há coisas que não resolvemos. Simplesmente assim. E talvez durem uma vida. Talvez não. Depende da nossa coragem.

Hoje nadei no Lago durante a noite. E a água estava morna como um aconchego. As minhas palavras ficaram moles feito as ondas, simplesmente seguiram o fluxo, como quando se aprende a flutuar e é preciso aprender também a confiar. A confiar no que não conhecemos.

Tampei os ouvidos para que a água não invadisse tudo. Forte, foi como se minhas mãos pudessem compreender a novidade dos cabelos se dissolvendo num lago escuro, tão escuro quanto todos os meus medos. Escrevo agora como quem tem que fingir uma suavidade não precedente nos dedos, na vida, na alma. Você me entende? Enquanto escrevo tudo isso, talvez você esteja deitada na cama lendo Em Busca do Tempo Perdido. Talvez editando algum filme. No fundo, tudo é essa passagem inexorável dos dias, das horas, memórias que ficam pelo caminho.

O que acho é que sempre me exponho demais. Não há medida para quem foi alfabetizada pelos raios das tempestades sem nem mesmo saber. Antes da linguagem, a intensidade. Talvez seja essa lua, constelações profundas de quem tem medo de expor suas fraquezas mas vive à beira do abismo. Uma generosidade suicida. Como naquele trem para Paris, aquele que você pegou, lembra?

Sabe quando, pelos motivos mais bobos, deixamos de sentar onde queríamos para que outra pessoa pegasse o lugar e construísse uma história, ou uma proto-história? Talvez seja simplesmente isso o que desejamos: um lugar entre o possível e o sublime. Para que todos os dias sejam lusco-fusco. Rascunhos. Para que possamos nos reinventar do roteiro nosso de cada dia.

Agora me sinto frágil como um pássaro que acabou de aprender a voar e começa a arriscar um vôo fora da asa.

Você arriscaria, Celine?

Espero sua resposta, sob o risco iminente da queda - no caminho que tanto conhecemos do chão.

Amor,

Tangerine

domingo, 11 de novembro de 2012

stalker

A verdade é que eu já perdi as contas de quantas vezes joguei seu nome no Google, esperando algum novo registro que eu ainda não conhecesse. Já decorei a ordem das páginas - das fotos do all star num velho fotolog até o currículo. Sei onde está cada detalhe, cada informação sua. Acompanho sua vida enquanto você envelhece na internet. Envelhecer diante de todo mundo, mudar de ideia, mudar de interesses, de casa, de cidade. Só minha obsessão por você é que não muda. Já tentei de tudo no meu rehab particular: cigarros, palavras cruzadas, tricô, i-ching, faxina. Nada me distrai. Por hoje, cansei de dar F5 no seu twitter e acompanhar sua novela feliz no Instagram. Vou dormir. Enquanto você faz samba e amor até mais tarde, eu fico aqui, com muito sono de manhã.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

life is what happens...

Celine,

Hoje, mais uma vez, não consegui fazer tudo o que queria. Sabe quando a gente vai dormir fazendo mil listas na cabeça, acorda pensando nisso e, ainda assim, não dá conta de tudo? A vida sabe bem como nos atropelar. A gente acorda, pega trânsito, trabalha, aguenta gente chata, leva bronca, pega trânsito de novo, passa no supermercado, carrega as sacolas pelas escadas do prédio sem elevador. Mas, veja só, não deu para molhar as plantas e elas estão morrendo, murchas, na varanda. Não deu pra correr no parque e a mensalidade da academia está lá, sendo descontada com mais assiduidade do que a minha freqüência. Esqueci de passar no banco também, e amanhã vai ser corrido pra pagar a moça da faxina. No almoço, eu comi no vegetariano. Na janta, esqueci de ser saudável e botei no forno uma pizza dessas congeladas, sabe? O buraco que a gente pode ser quando não tem ninguém olhando? Mas sempre tem alguém olhando, mesmo que seja a gente mesmo. A conta de luz eu esqueci de colocar no débito automático. Atrasou. Eu ia fazer a unha na semana passada, mas não rolou. Porque surgiu um trabalho, porque eu não achei a chave do carro, a porta enguiçou...na verdade eu saí na hora, mas o trânsito estava fora no normal naquele dia, uma coisa de maluco, deve ter tido algum acidente ali por perto.

(no fundo, eu queria conseguir dizer para mim mesma que simplesmente não rolou, e que está tudo bem.)

A vida é o que acontece enquanto a gente está se culpando por não ter conseguido fazer tudo.

domingo, 19 de agosto de 2012

amor sem tecla sap

Sabe, amiga, não tenho saudades dele. Tenho saudades de mim, apaixonada por ele.

Você já se sentiu assim, com saudades de como era ao lado de alguém?

Será inevitável isso, isso de, em algum momento, a gente se perder? Lost in translation. O amor não tem tecla SAP.