quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

lusco-fusco

Celine,

Já pensou como seria se as coisas simplesmente mudassem de rumo? Se tivessem esse poder? Eu não quero pensar. Porque seria como entrar num infinito de possibilidades. Como num carnaval de felicidade eterna, se ousássemos mostrar nosso verdadeiro rosto, além da máscara.

Eu não sei qual seria meu rosto. Você sabe? Eu tenho medo, minha amiga, e digo isso entre um cigarro e as lembranças do Velho com o Cachorro. Há coisas que não resolvemos. Simplesmente assim. E talvez durem uma vida. Talvez não. Depende da nossa coragem.

Hoje nadei no Lago durante a noite. E a água estava morna como um aconchego. As minhas palavras ficaram moles feito as ondas, simplesmente seguiram o fluxo, como quando se aprende a flutuar e é preciso aprender também a confiar. A confiar no que não conhecemos.

Tampei os ouvidos para que a água não invadisse tudo. Forte, foi como se minhas mãos pudessem compreender a novidade dos cabelos se dissolvendo num lago escuro, tão escuro quanto todos os meus medos. Escrevo agora como quem tem que fingir uma suavidade não precedente nos dedos, na vida, na alma. Você me entende? Enquanto escrevo tudo isso, talvez você esteja deitada na cama lendo Em Busca do Tempo Perdido. Talvez editando algum filme. No fundo, tudo é essa passagem inexorável dos dias, das horas, memórias que ficam pelo caminho.

O que acho é que sempre me exponho demais. Não há medida para quem foi alfabetizada pelos raios das tempestades sem nem mesmo saber. Antes da linguagem, a intensidade. Talvez seja essa lua, constelações profundas de quem tem medo de expor suas fraquezas mas vive à beira do abismo. Uma generosidade suicida. Como naquele trem para Paris, aquele que você pegou, lembra?

Sabe quando, pelos motivos mais bobos, deixamos de sentar onde queríamos para que outra pessoa pegasse o lugar e construísse uma história, ou uma proto-história? Talvez seja simplesmente isso o que desejamos: um lugar entre o possível e o sublime. Para que todos os dias sejam lusco-fusco. Rascunhos. Para que possamos nos reinventar do roteiro nosso de cada dia.

Agora me sinto frágil como um pássaro que acabou de aprender a voar e começa a arriscar um vôo fora da asa.

Você arriscaria, Celine?

Espero sua resposta, sob o risco iminente da queda - no caminho que tanto conhecemos do chão.

Amor,

Tangerine

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